domingo, 14 de julho de 2013

Pera, uva, maçã ou salada mista

A vida - toda ela - é feita de escolhas. Nem sempre você percebe, mas está o tempo todo escolhendo alguma coisa. Não falo das grandes escolhas, do quilate de "Rio de Janeiro ou Muriaé?", "design gráfico ou emprego de verdade?", "aceita essa mulher como sua legítima esposa?", "repassa ou paga?" e "débito ou crédito?" Falo das pequenas escolhas que conduzem às grandes escolhas. Por exemplo: às vezes, uma sinapse equivocada pode fazer você levantar o dedo errado durante um aceno cordial. Direcionado ao seu chefe, digamos. Ou um vou-virar-à-esquerda-para-fugir-desse-engarrafamentozinho pode transformar em duas horas o que o virar-à-direita-vai-fazer-a-gente-dar-a-maior-volta-meu-bem resolveria em quinze minutos. Ou até mesmo preterir aquela picanha morbidamente gorda num dia em que o salmão defumado não estava sentindo-se muito bento pode levá-lo a um coma intestinal. São escolhas bobas e pueris, que até provocam um certo constrangimento ao serem citadas, de tão imbecis que são. Mas são escolhas que, querendo ou não - afinal, são as duas opções que você tem para cada uma delas -, vão modificar todo o curso da sua vida daqui pra frente ou a partir do ponto que você optar por uma delas pra frente, como a moça que recalcula a rota do seu GPS sempre que você insiste em achar que a próxima curva à esquerda está além dos 83m que ela lhe estimou. Você refaz o caminho para alcançar o destino original achando que tudo vai ficar bem. Mas não vai, pois você irá enfiar seu carro embaixo de uma carreta sueca ao longo do novo trecho recalculado e não alcançar o destino. Ou então vai alcançar seu destino e evitar uma hipotética explosão espontânea do seu carro caso seguisse o roteiro inicialmente proposto. O importante é saber o seguinte: você nunca saberá.

Mas voltemos ao exemplo da picanha obesa e do salmão mal-humorado. Tomemos a vida como um cardápio de um desses restaurantes sem foco nem tino comercial que servem de sashimi à feijoada com garçons vestidos em trajes típicos nordestinos. Você o abre e passa os próximos quarenta minutos imerso na mais pura baixa literatura gastronômica - o que poderia ser evitado caso já tivesse saído de casa com alguma vaga ideia do que a sua fome gostaria de comer no almoço. Há pratos para todas as quantidades de dígitos possíveis, da batata frita ao ganso alaranjado com foie gras. Em teoria, nada impede você de escolher qualquer uma das opções, uma vez que estão todas disponíveis na cozinha, incluindo as mais caras - sim, elas existem -, mesmo que essa quantidade de dígitos não esteja em paridade com o seu saldo bancário atual. Considerando essa possibilidade muito razoável, você escolhe o prato mais caro - por que não?. Todos ao seu redor, esposa, filhos, sogros, garçons, os vizinhos metidos a ricos que estavam pensando em fazer a mesma coisa quando viram que você estava na mesa ao lado, o gerente do seu banco, seu chefe, duas de suas ex-namoradas que, de tanto compartilharem as frustrações da sua experiência, acabaram tornando-se não apenas melhores amigas, mas namoradas, o pároco da igreja do bairro - esse não importa, você é ateu -, além de um grupo de crianças feias que você nunca viu na vida, todos eles lhe encaminharam seus melhores olhares de consternação, desdém e incredulidade. Porque, não apenas o gerente do seu banco e o seu chefe, mas todos ali sabem da sua situação financeira, inclusive sua mulher. O garçom ainda hesita, reluta em levar o seu pedido a cozinha, mantendo um olhar constrangido como que esperando uma retificação. Você finca seu orgulho em seu peito com a serenidade de quem sabe a merda que está fazendo, ele resigna-se e dá as costas a você em passos lentos e semblante demitido. Ainda vira-se com cara de cão abandonado em sua direção, na vã esperança de aquilo tudo era uma brincadeira e que tudo ficaria bem, mas você já dava atenção à sua assustada mulher.

Eis que o seu assado de orangotango ao curry chega. Você come, delicia-se, lambe os dedos e cada centavo daquele símio. Enquanto isso, a torcida adversária apenas aguarda o fim da comilança para começar a se divertir com sua falta de recursos. Sua mulher e filhos pediram espaguete à bolonhesa e dividiram o prato entre si - "não estamos com fome." Você pede a conta, o garçom o traz com um certo ar de desafio faroéstico e entrega-a em suas mãos. Você vai direto para o final, dá uma fungada sorridente incontida, balança a cabeça negativamente e começa a rir baixinho. Olha de volta para o garçom, devolve a conta ainda balançando a cabeçorra e diz "não tenho." Mesmo que esperasse aquela situação, o garçom esqueceu de trabalhar uma forma de lidar com ela. A confusão se instala. vem o gerente, vem o dono do restaurante, vem o cozinheiro e a família do orangotango tomar satisfações com você. Desenrola-se uma ação rocambolesca que culmina em sua ida à delegacia mais próxima. Daí, o perco de vista e continuo com minha taça de vinho e o bobó de camarão.

O que quero dizer é que: escolhas, você pode fazer qualquer uma. Desde que o cristianismo simpaticamente nos concedeu o livre-arbítrio - com algumas restrições -, nós podemos seguir nosso próprio rumo, apenas precisando pagar algumas penitências e pais-nossos no caso de transgressão. Cada escolha tem seu preço tabelado. O fato de você querer uma coisa ou outra é justo. Fato é que nem sempre você terá os recursos para ela. Mas tudo bem! Para os casos de impossibilidade, existem os meios. Se usá-los com astúcia, terá, sim, aquilo que quer, desde que não se importe com a polícia, os extremistas religiosos, a Scotland Yard, o seu advogado ou os programas de fofoca. E isso vale desde as pequenas escolhas, pois são elas que produzem as grandes tragédias. Melhor: as grandes escolhas são um amontoado de escolhas inicialmente insignificantes, que mudam de status a partir do momento em que você se vê em grandes apuros. É bem provável que sua visão não tenha todo esse alcance e que, enquanto você faz escolhas espúrias e inocentes no conforto de sua ignorância quentinha, mal sabe o tamanho da avalanche fecal que se projetará sobre você no caso de seguir a sequência correta dos fatos (para acionar a avalanche).

Portanto, cuidado com as gôndolas de supermercado.  

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