terça-feira, 24 de maio de 2011

Dedo

Dou-te um dedo por vez, e eis que já me encontro desmembrado. Sem função, sou atirado à caixa dos brinquedos para doação. Porra, mas que merda. Era só dar a corda nas minhas costas, palhaço, quen-quen.

Magnetic Fields

Ante uma bússola, acha-se o norte. Exceto se você estiver veraneando nas Bermudas, nesse instante.

Cursing

Maldição: uma série de ocorrências derivadas de algum evento específico no passado, capaz de provocar todo um encarrilhamento de maus presságios e péssima sorte. Estudiosos do assunto buscam sempre encontrar o cerne das questões que originam esse estado de letargia negativa que fede à má sorte, em quaisquer circunstâncias. Maldições acometem as pessoas com um mau cheiro que, aparentemente, não existe de verdade, mas que, de alguma forma, faz com que as pessoas lhe evitem na rua, desviando de você como de um gato preto ou de uma escada encostada num muro. Também faz com que os mal-afortunados sofram lesões inexplicáveis, brotando neles inchaços e inflamações decorrentes de nada. Gastrite, pneumonia, urticária e rosácea também costumam dar as caras, assim como cortes e queimaduras na cozinha que seriam pouco prováveis. O ser amaldiçoado deve passar - a ciência ainda ignora como - sua carga para um próximo.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Hymn Of The Seventh Galaxy

Se por um mísero segundo fecho olhos no alto do meu maçante torpor soporífero pós-almoço, meu cérebro tende a funcionar em rotações incontroláveis, com suas sinapses pipocando e formulando horas de pensamentos, ideias, traumas, conspirações. É o que me faz crer que o lado de lá borbulha em absurdos febris, rodando numa medida de tempo muito superior, e superior, aqui, não quer significar 'melhor' ou 'mais tempo', apenas superior o suficiente para acolher o maior número possível de leituras cerebrais no menor invólucro possível. Quantas ideias já não perdi por ter cometido o erro crucial na navegação ao outro lado: acordar. No susto. E esfarelar, assim, todas as minhas grandes ideias de dominar o mundo.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Detetive

Havia o cara de agasalho do Corinthians. E havia o homem de paletó de veludo marrom. Tinha o sujeito de camisa xadrez. Ao meu lado, a mulher de bolas de blush rosa no rosto. À frente e à esquerda, o narigudo que parecia Alain Prost. O sujeito de terno bem cortado batia o pé nervosamente. Esse já é suspeito. A menina com síndrome de Down, falando pelos cotovelos. Melhor se fosse cotó. Sua mãe, avó ou sei lá o quê, numa conivência de dar raiva. O tiozão de blazer amarrotado e meias roxas. No teto, a tubulação de ar assoava todas as impurezas de um sistema de refrigeração indecente, que não filtraria nem um canudo de bosta, se este resolvesse se aventurar por aí. Todas as saídas de ar tinham aquela fita crepe que ondeava freneticamente, tal qual um boneco de posto. E não parava. A saída da esquerda! Agora, a da direita! Você, aí atrás! Agora!, todas juntas!, em uníssono! Penejem, vibrem, suas fitas adesivas mortas! O barulho disso tudo, se você anular a influência externa, é extremamente irritante. Daqueles que fazem você levantar no meio da noite pra fechar a porra da janela. E veio. Um clarão, um flash. Um segundo de plenitude branca explodindo minhas retinas. Ao voltar, caído no chão junto com todos os demais na sala de embarque, o silêncio reinava. O tiozão das meias roxas estava caído ao meu lado, com a cabeça na direção contrária à minha, com seu par de meias invadindo minhas narinas. A última coisa que eu lembro é do cheiro terrível de suor fresco e suor encrustado em tons de marrom, que me fez realizar meu último movimento, abaixando a cabeça que pesava quilos, quando pude ver o rapaz de camisa xadrez indo embora, o único a ficar de pé. Bem que me diziam pra não confiar num sujeito de camisa xadrez. Pelo menos, a Down parava de tagarelar.

Avesso, metade virada de mim

Meu avesso é doce, de alma pura, com tão pouco a acrescentar, não fosse ele um tagarela invertido, de palavras internas, de carinhos sutis, sem o caralho na boca. Fala claro, não tem farpas nem fiapos de cólera retesada, ironia aleatória e um sarcasmo irritante, que dá nos nervos quando começa a fumaçar, sufocando a todos ao redor, meu redor, nos arredores do ser que se apresenta quando colocado de dentro pra fora. Meu avesso é eu quando sou criança, quando fui infante, quando sou um crápula, quiçá um filho da puta para outros, que - ah, puta que pariu - simplesmente não entendem ou não se esforçam nem um pouco para entender e me fazer explicar. Meu avesso tolera o mais imbecil dos comentários, e olhe que eles são diários. Meu avesso é um donzelo, sem dúvidas. E, não fosse o eu, eu estaria à mercê do completo processo de idiotização. Desgraças a eu.